CINECLUBE DE JOANE

Novembro 2023
Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão

Programa mensal

de Nanni Moretti
2 NOV 21h45
de Júlio Alves
9 NOV 21h45
de Laura Citarella
16 NOV *21h00*
de Kléber Mendonça Filho
23 NOV 21h45
de Rodrigo Sorogoyen
30 NOV 21h45

As sessões realizam-se no Pequeno auditório da Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão. Os bilhetes são disponibilizados no próprio dia, 30 minutos antes do início das mesmas.

Inscrições & newsletter

Indique o seu email para receber as condições e outras informações sobre como poderá tornar-se sócio e subscrever a nossa newsletter regular com a programação do cineclube e outra informação relevante.

Também se poderá inscrever ou saber mais deslocando-se à bilheteira de uma das nossas sessões. Ao tornar-se sócio usufrua das vantagens e descontos nas nossas atividades.

Trataremos o seu email com carinho e não o partilharemos com mais ninguém nem o utilizaremos para outros fins que não os acima descritos. Para fazer o nosso conteúdo chegar até si utilizamos o Mailchimp, pelo terá de concordar com termos de serviço do mesmo.

16 *21h00*

TRENQUE LAUQUEN Laura Citarella

Quando Laura desaparece sem explicação aparente, Rafael e Ezequiel, dois homens que apenas têm em comum o facto de estarem ambos apaixonados por ela, unem esforços para a encontrar. Ao longo de 12 capítulos, que dividem as quatro horas deste filme, o espectador segue a história dela, ao mesmo tempo que acompanha a busca incessante de Rafael e Ezequiel pelos meandros da cidade argentina de Trenque Lauquen. Mistura de realismo mágico, “thriller” e romance, “Trenque Lauquen” estreou-se na secção Orizzonti do Festival de Veneza e é a quarta longa- metragem da autoria da realizadora argentina Laura Citarella, que escreve o argumento em parceria com Laura Paredes, que assume a personagem principal.

Título Original: Trenque Lauquen (Argentina/Alemanha, 2023, 240 min)
Realização: Laura Citarella
Interpretação: Laura Paredes, Rafael Spregelburd, Ezequiel Pierri
Argumento: Laura Paredes, Laura Citarella
Fotografia: Agustin Mendilaharzu, Inés Duacastella, Yarará Rodríguez
Montagem: Miguel de Zuviría, Alejo Moguillansky
Produção: El Pampero Cine
Distribuição: Leopardo Filmes
Estreia: 27 de Julho de 2023
Classificação: M/12
Mulher em parte incerta Inês Lourenço, DN A estreia mais fascinante deste verão chama-se Trenque Lauquen, tem quatro horas (divididas em duas partes) e desfia o enigma de uma académica desaparecida. Um thriller com sensibilidade romântica que nos chega da Argentina, realizado por Laura Citarella.
Em tempos de abundância de séries e de Barbenheimer - a fenomenal operação de marketing do momento, que sugere ao espectador que veja Barbie e Oppenheimer de uma assentada, apesar da sua natureza radicalmente distinta -, a estreia de um filme como Trenque Lauquen, que dura pouco mais de quatro horas, provoca uma reflexão irónica. Esta: os espectadores, que hoje em dia estão cada vez mais preparados para visionamentos de longa duração, em termos da lógica do streaming e das promessas de "entretenimento" da moda (o que em si não é uma crítica ao potencial de cinema contido nessas promessas, entenda-se), conseguem olhar para um filme argentino com mais uma hora do que Oppenheimer e pressentir nele uma hipótese de maravilhamento? Será que lhe dão uma oportunidade? O panorama atual não ajuda, mas é possível contrariar as fracas expectativas, pelo menos tentando aproximar o leitor deste texto da ideia de uma obra que, em linguagem corrente, está a meio caminho entre o "vício intrínseco" de uma boa série e o prazer narrativo de um objeto de cinema de imaginação ilimitada.
Trenque Lauquen é o nome de uma cidade da província de Buenos Aires e o lugar onde brota o mistério do desaparecimento de uma mulher. A procurá-la estão dois homens: Rafael, que se apresenta como o seu namorado de longa data, com quem ela iria morar em breve, e Ezequiel, alguém que se tornou um cúmplice nos últimos tempos, acompanhando-a no trabalho de classificação de plantas raras que a levou à cidade. Laura, a mulher procurada, uma académica da área da botânica, estaria então de passagem por Trenque Lauquen apenas para fazer o dito estudo local. Porém, o que o filme de Laura Citarella vai revelando em vertiginosos atos de narração (flashbacks) tem menos que ver com pesquisa científica (essa regressa mais tarde) do que com uma pesquisa íntima. A saber, Laura ter-se-á entusiasmado com outra investigação, à volta de cartas de amor eróticas escondidas em livros de uma biblioteca - todo um sistema de correspondência amorosa que ligou um homem e uma mulher nos anos 1960 -, e arrastou consigo Ezequiel nessa curiosidade apaixonada, que acabou por se refletir timidamente neles próprios...
Nestes primeiros capítulos de Trenque Lauquen - composto por 12, e dividido em duas partes de duas horas cada -, tal desejo de resolver o mistério das cartas, dentro do mistério do desaparecimento de Laura, leva-nos numa corrente elétrica de busca e fôlego romanesco não muito distantes da verve de um certo filme de Woody Allen, O Misterioso Assassínio em Manhattan (1993), em que Diane Keaton é uma vizinha incapaz de reprimir o seu espírito detetivesco. Ora, a mesma paixão, obsessão e partilha, ou simples imprudência no processo de investigação, definem o jogo de Trenque Lauquen. Como se o fascínio passasse pelo facto de as personagens criarem aventura através da palavra, ao transmitirem as suas histórias umas às outras.
A segunda parte do filme prolonga a matriosca narrativa focando-se, por sua vez, no dispositivo da rádio como veículo dessas histórias e pisando um território de género mais vincado - o fantástico, a ficção científica e ainda o thriller -, ao envolver Laura num terceiro mistério sobre a existência de uma espécie de monstro de Loch Ness, que vai esvaziando a perspetiva de chegada a uma resposta banal. A própria sonoridade do título "Trenque Lauquen", que significa "lago redondo", condensa algo do segredo e efeito de atração do filme, tão bem preservado em toda a sua qualidade, dir-se-ia, literária. Não é que seja uma adaptação; pelo contrário, foi coescrito pela realizadora com a atriz principal, Laura Paredes. Mas o seu atributo romântico adquire quase um sopro brontëano.
Quem viu A Flor, de Mariano Llinás, sentirá alguma familiaridade com o traço inventivo desta produção independente do coletivo argentino El Pampero Cine, de que a realizadora Laura Citarella faz parte, tendo também aqui Llinás como produtor. Em todo o caso, o que importa esclarecer é que não há requisitos para se entrar em Trenque Lauquen, não é necessário ter um conhecimento prévio do núcleo criativo por trás da obra para se apreciar a experiência. Uma experiência confiada a elementos puramente cinematográficos, que exploram um apetite insaciável pelas formas de ficção.
A questão de como ver Trenque Lauquen - se numa sessão única, com intervalo entre as duas partes, ou em sessões separadas - depende de cada exibidor; embora a sessão única seja exequível e bastante recomendável. Isto porque o filme de Citarella, justíssimo na sua duração, não cria a necessidade de uma pausa. Para além de que, assistir de seguida permite notar melhor as diferenças de pontos de vista que estabelecem o seu movimento: se na primeira parte, centrada nos homens que procuram Laura, há um sentido de posse sobre o mistério da sua ausência (o qual exige resolução), na segunda parte, tomada pela voz dela, e com outra personagem feminina como mediadora, ganha peso a possibilidade de a desaparecida não querer ser encontrada... É da ordem do maravilhoso, sim.