As sessões realizam-se no Pequeno auditório da Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão. Os bilhetes são disponibilizados no próprio dia, 30 minutos antes do início das mesmas.
Indique o seu email para receber as condições e outras informações sobre como poderá tornar-se sócio e subscrever a nossa newsletter regular com a programação do cineclube e outra informação relevante.
Também se poderá inscrever ou saber mais deslocando-se à bilheteira de uma das nossas sessões. Ao tornar-se sócio usufrua das vantagens e descontos nas nossas atividades.
Trataremos o seu email com carinho e não o partilharemos com mais ninguém nem o utilizaremos para outros fins que não os acima descritos. Para fazer o nosso conteúdo chegar até si utilizamos o Mailchimp, pelo terá de concordar com termos de serviço do mesmo.
Osamu e Nobuyo são um casal muito pobre cujos rendimentos miseráveis não chegam para sustentar a família. Para sobreviver, recorrem a pequenos furtos em lojas e supermercados. Um dia, Osamu encontra Yuri, uma menina perdida no meio da cidade, que se percebe ter sido vítima de negligência. Apesar das carências em que todos vivem, esta família resolve receber a criança em sua casa e assegurar-se de que fica bem... Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes, um filme dramático sobre a importância dos afectos com assinatura do aclamado cineasta japonês Hirokazu Koreeda ("Ninguém Sabe", "Andando", "O Meu Maior Desejo", "Tal Pai, Tal Filho", “O Terceiro Assassinato”).
Ninguém sabe o que é uma família, Luís Miguel Oliveira, Publico de 22 de Novembro de 2018Shoplifters é um retrato “classista” do Japão, a contrapor conforto material e calor emocional, a perguntar o que é, realmente, uma família.
Depois do desvio “metafísico” de O Terceiro Assassinato (filme sobre a “anatomia dum crime”, obcecado com a justiça, a verdade, a culpa), eis que Hirokazu Koreeda regressa a um território que, sabemo-lo bem, domina como poucos: o espaço familiar, o universo infantil, as relações entre crianças e adultos. Mas também uma espécie de zona escondida da sociedade e da cidade japonesa, um mundo oculto por trás das fachadas, movido por regras pouco canónicas (pouco “tradicionais”), onde nem o que parece uma família é exactamente uma família. Shoplifters é, por isso, o filme dele que mais directamente se liga a Ninguém Sabe (que foi o duríssimo filme que o revelou em Portugal), trocando a rudeza e a violência pela doçura que se encontra noutras das suas pequenas sagas familiares, como Andando.
É mesmo a principal proeza de Shoplifters: compor um retrato de um universo onde a miséria está presente, inclusive a miséria moral, mas desfazendo ou recusando todos os clichés “automáticos” da representação dessa miséria. É ver, por exemplo, como o espaço acanhado da casa onde vivem os protagonistas, todos ao monte, sem privacidade, é filmado por Koreeda duma forma que exala, sobretudo, um sentido de pouco ortodoxa comunhão (como de costume, as cenas de conjunto, os enquadramentos apinhados de personagens, têm alguns momentos magníficos). Ou como as cenas dos roubos – sempre roubos “pequenos”, em mercearias, cafés, uma espécie de “furto de subsistência” sobre os quais Koreeda suspende todo o juízo (e pelo contrário, “convida-nos” a participar neles) – têm a dinâmica de mini-filmes de acção temperada por um “suspense” de burlesco. Claro que a “família”, para lá da sua bonomia mais ou menos assombrada, tem mesmo esqueletos no armário (ou no chão do jardim), histórias de uma violência bem mais dramática; mas a forma retardada como Koreeda o revela tem este efeito: quando percebemos que há mais do que os pequenos roubos, já lá estamos, e, como as crianças que a família “colecciona”, já fazemos parte daquele “agregado”.
E é assim que Shoplifters caminha para um terço final bastante subversivo, a pôr em causa a ideia de família (e de maternidade, e de paternidade) como fenómeno definido pela biologia. “Não basta dar à luz para se ser mãe”, diz uma das mulheres. E nas derradeiras cenas, quando Koreeda segue as crianças enfim dispersas, de volta às suas famílias “legítimas”, essa subversão encontra imagens poderosas e comoventes (o derradeiro plano antes do corte para o genérico final é soberbo), a sua violência a voltar-se para um retrato “classista” do Japão, a contrapor conforto material e calor emocional, a perguntar o que é, realmente, uma família.
Shoplifters – o amor também se rouba, Inês Lourenço, DNVencedor da Palma de Ouro no último Festival de Cannes, o brilhante Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões, do japonês Hirokazu Kore-eda, estreia-se nas salas portuguesas.
Estamos no ambiente apertado de uma pequena casa, quase uma barraca, onde vivem cinco pessoas que arranjam espaço para mais uma menina recém-chegada. Temos então um pai, uma mãe, uma jovem, duas crianças e a avó, que assume a posição de matriarca. Por todo o lado há tralha empilhada e a abundância de texturas dá uma sensação de calor doméstico - que combina com o facto de, na maior parte do tempo, essas pessoas andarem de pijama e a comer noodles instantâneos para manter o estômago quente... Estes são os Shibata, como diz o subtítulo português de Shoplifters, uma família de pequenos ladrões, a viver nos subúrbios de Tóquio.
Fala-se aqui da família como lugar de intimidade ou simples estrutura social? Segundo o dicionário, é um "conjunto de pessoas com relação de parentesco que vivem juntas". E não se pode dizer que, na aparência, os Shibata não correspondam a esta módica descrição, dentro das suas características singulares. Mas o cinema de Hirokazu Kore-eda já ultrapassou há muito a abstração dos enunciados linguísticos. Pelo contrário, há uma sabedoria acumulada de filme para filme, em torno da noção de família e do questionamento dos vínculos humanos, que confere à sua nova obra um efeito de vitalidade superlativa. Por alguma razão o seu nome é um dos mais respeitados da produção japonesa contemporânea.
Shoplifters apresenta-se assim por via do quadro tradicional da família, para progressivamente ir desconstruindo a ideia de normalidade dos laços. As coisas não são exatamente o que parecem - mesmo que à partida já não sejam muito normais. Desde logo, o pai é uma versão japonesa do carteirista Fagin de Oliver Twist, levando consigo, nas expedições ao supermercado, o rapazinho lá de casa, que rouba os bens essenciais (e não só) para o quotidiano familiar, numa dinâmica muito bem concertada com ele. Por sua vez, a mãe, que trabalha numa lavandaria industrial, não perde uma única oportunidade para larapiar qualquer objeto perdido nos bolsos da roupa que lhe passa pelas mãos. Já a doce e frágil jovem do clã contribui para as finanças trabalhando num clube que funciona por serviço de cabinas de striptease com vidros fumados. Quanto à avó, tem uma pensão mensal (a atriz veterana que a interpreta, Kirin Kiki, morreu em setembro passado, e até por isso o seu papel sustenta uma especial dimensão dramática).
À fotografia vai juntar-se a pequena Yuri, uma menina encontrada uma noite na varanda de uma casa, cheia de frio e com marcas de violência doméstica. É também um roubo? Do ponto de vista da lei, sem dúvida, mas a compaixão por trás deste ato é mais forte do que as normas de conduta social. De resto, toda a vivência dos Shibata é filtrada por uma vulnerabilíssima consciência moral, que é passada às crianças.
Em Shoplifters, Kore-eda filma o melodrama familiar com traços muito subtis entre o tecido cru da realidade e a beleza tímida das emoções. O grupo que seguimos na expressão de uma rotina instalada - e com nuances psicológicas reveladas nomeadamente pela presença da pequena Yuri - vai, pouco a pouco, deixando à vista as fendas da grande invenção que é este retrato de família. A questão que se coloca no filme é saber se o determinismo das relações biológicas pode, de algum modo, ser substituído por uma alternativa. Mas, para testar isso, Kore-eda põe lado a lado o amor fraterno e o crime. É no balanço de um e de outro que o filme extrai a complexidade do seu olhar cinematográfico.
Na memória de outros filmes de Kore-eda, dir-se-ia que Shoplifters é uma junção do conceito reinventado de família que se vê em Ninguém Sabe (2004) com o dilema entre os laços biológicos e afetivos de Tal Pai, Tal Filho (2013). Os gestos, olhares e silêncios das crianças são, aliás, o barómetro de qualquer situação. Elas transformam os detalhes em demonstrações claras dos sentimentos mais subterrâneos, desenhando a ocasião para uma lágrima surgir espontaneamente. E a profunda delicadeza do cineasta japonês manifesta-se tanto na captação destes detalhes, como na abordagem do humanismo pelo seu ângulo menos fácil. Se é possível dizê-lo desta forma, Shoplifters é uma magnífica dor de alma.