CINECLUBE DE JOANE

Janeiro 2019
Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão

Programa mensal

de Michael Moore
3 JAN 21h45
de Jean-Claude Brisseau
10 JAN 21h45
de Hirokazu Kore-eda
17 JAN 21h45
de Serguei Eisenstein
24 JAN 21h45
de Matteo Garrone
31 JAN 21h45

As sessões realizam-se no Pequeno auditório da Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão. Os bilhetes são disponibilizados no próprio dia, 30 minutos antes do início das mesmas.

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3 21h45

FAHRENHEIT 11/9 Michael Moore

Com argumento e realização do polémico documentarista norte-americano Michael Moore - autor de "Bowling for Columbine" (que lhe valeu um Óscar em 2003), "Fahrenheit 9/11", “Sicko”, “Capitalismo: Uma História de Amor” ou “E Agora Invadimos o Quê?” - este filme é uma reflexão sobre a inesperada eleição de Donald Trump à presidência dos EUA. Moore tenta responder ao porquê dos norte-americanos se terem colocado nesta situação, sugerindo o que poderá ser feito para a mudar. Estreado no Festival de Cinema de Toronto, 14 anos depois da estreia de outro documentário de Moore, a “Fahrenheit 9/11” (que aludia ao 11 de Setembro de 2001), o realizador faz uma referência clara e provocadora, à data em que, no ano de 2016, Trump se tornou Presidente dos EUA.

Título original: Fahrenheit 11/9 (EUA, 2018, 125 min.)
Realização, Argumento e Narração: Michael Moore
Produção: Michael Moore, Jeff Gibbs, Carl Deal, Meghan O'Hara
Fotografia: Luke Geissbühler, Jayme Roy
Montagem: Doug Abel, Pablo Proenza
Estreia: 30 de Outubro de 2018
Distribuição: Cinemundo
Classificação: M/12
O cinema a repensar a política, João Lopes, Cinemax

Michael Moore volta a usar o cinema como instrumento de reflexão política: "Fahrenheit 11/9" centra-se na figura de Donald Trump, mas o seu objectivo global é a discussão dos prós e contras do sistema político dos EUA.
Qual é a posição de Michael Moore sobre o Presidente Donald Trump? Pois bem, todos sabemos que é um dos seus mais veementes opositores... Não admira, por isso, que o seu novo filme, "Fahrenheit 11/9", surja em todo o lado descrito como um violento libelo anti-Trump. O que é verdade, aliás: Moore apresenta uma visão dramática, muito severa, do papel de Trump na América do presente. Resta saber se tal descrição faz justiça à complexidade interna do seu filme. Do meu ponto de vista, creio que não. Considero mesmo que é importante superar as premissas da própria campanha promocional que Moore organizou para o filme, sublinhando, precisamente, a sua mais básica dimensão panfletária. Na verdade, "Fahrenheit 11/9" (jogando com os números do seu "Fahrenheit 9/11", sobre os atentados do 11 de Setembro) apresenta-se como uma elaborada reflexão sobre o sistema político dos EUA e, em particular, o funcionamento de republicanos e democratas.
Na perspectiva de Moore, o carácter maligno que atribui a Trump não pode ser dissociado de algo mais radical, algo que não se esgota nas idiossincrasias de uma qualquer personalidade da cena política. Nessa medida, convenhamos que ninguém fica bem na fotografia: para Moore, republicanos e democratas (sem excluir algumas acções de Barack Obama) são co-responsáveis no esvaziamento prático e simbólico de um sistema bipartidário que, em muitos aspectos, se alheou dos problemas reais dos EUA.
Do ponto de vista cinematográfico, o que está em jogo está longe de ser banal. Em boa verdade, Moore consegue a proeza de nos confrontar com muitas imagens (de outros filmes, reportagens, materiais de arquivo, etc.) que importa rever — e, num certo sentico, reler — para além de qualquer formatação mediática. "Fahrenheit 11/9" é um filme apostado em discutir com o seu espectador os modos correntes de percepção do trabalho político — Trump pode ser o núcleo de tal projecto, mas o que está em jogo envolve factores que vão da defesa dos valores da democracia ao conceito de cidadania.

Michael Moore na pele do homem sensato, Luís Miguel Oliveira, Publico de 30 de Outubro de 2018

A política americana tomou rumos tão delirantemente exuberantes que até Michael Moore, durante anos visto como um espalha-brasas “liberal”, pode agora representar uma figura de sensatez. É mesmo essa a posição em que se põe em Fahrenheit 11/9, filme sobre a ascensão de Donald Trump (que, invertendo os números que compunham o título do filme de Moore sobre a ressaca do 11 de Setembro, Fahrenheit 9/11, imediatamente sinaliza as proporções do trauma que representou a chegada de Trump à Casa Branca). Moore encena-se a si mesmo, tomando conta da voz off e por vezes da imagem, como o tipo que, nos meses da campanha eleitoral, levou Trump a sério, não o reduziu a uma piada, considerou suficientemente fortes as suas possibilidades de ganhar a eleição – inclui mesmo imagens, como uma dúbia coroa de glória, de noticiários da Fox News que o citavam a ele, Moore, justificando as hipóteses de Trump ser mesmo eleito.
Resguardado, ou legitimado, nesta posição, que toma conta de todo o segmento inicial (juntamente com uma crítica aos “mainstream media” que fizeram de Trump uma festa e involuntariamente ajudaram ao fortalecimento da sua presença no espaço público), Fahrenheit 11/9 constrói-se como um vol d’oiseau sobre as condições sociais, políticas, institucionais, que conduziram à vitória de Trump. Sem esconder o desprezo pela figura, Moore não a menoriza, nem menoriza, ou diaboliza, a massa de eleitores dos estados rurais (sobretudo) que mais contribuiu para a sua eleição – mas aproveitando a deixa para criticar o vetusto sistema do colégio eleitoral americano, criado há duzentos anos para apaziguar os estados esclavagistas do Sul, que pode ter como consequência (como na eleição Trump/Hillary) que o voto popular seja irrelevante face à vitória nos estados “certos”. O tom do filme é analítico e compreensivo, pleno de documentos e depoimentos, mas também um pouco esparso, por vezes simplista, e no fundo não traz nada de novo a quem acompanhe a reflexão sobre a política americana para além das parangonas e dos sensacionalismos. Mesmo a faceta agit prop de Moore – o seu lado mais questionável e simultaneamente mais divertido – aparece singularmente sisuda: talvez o momento em que ela se revele mais eufórica seja quando monta o som de um discurso de Trump sobre imagens de um comício de Hitler, escudado na ideia de que, se a história não se repete, dá “padrões” que nos permitem interpretar, e até prever, os rumos do presente. É o terço final do filme, uma espécie de aviso e apelo à necessidade de combater Trump em nome da democracia americana. Tudo muito justo, tudo também um pouco redundante – como se Moore continuasse a filmar para um “espectador médio americano”, não excessivamente informado, e à “figura de sensatez” sobrepusesse aqui uma outra figura, quase paternalista.